domingo, 20 de agosto de 2017

Reflexões pós-violência urbana

Dia 01/agosto, saí do hospital onde passei a tarde com meus pais. Meu pai estava fazendo um tratamento e minha mãe, acompanhando-o. Na saída, disse à minha mãe que achava que ía ser assaltada e que então deixaria o computador no chão do carro, assim o ladrão levaria somente minha bolsa. Mal sabia eu...
Fui para a casa dos meus pais, onde meus filhos estavam me aguardando sendo cuidados pela D. Rose, que sempre nos ajuda com eles quando temos algo além do normal. Estava chegando, uns 3 quarteirões antes quando liguei e pedi para que eles descessem. Cheguei em frente ao endereço e encostei o carro, como faço sempre quando venho pegá-los. 
Nesse momento, fui abordada por um rapaz, que "gentilmente" me mostrou a arma. Demorei alguns segundos pra entender o que era. Entendi que ele queria o celular, abri o vidro, entreguei o celular, olhando para o outro lado (fiquei com medo de olhar pra ele e isso incomodá-lo). Foi quando ele disse: "abre, senão vou dar um tiro na sua cabeça", apontando a arma para mim. Larguei o celular e desci do carro. Ele me perguntou se tinha dinheiro na bolsa e eu disse que sim, mas que não queria a bolsa, queria apenas meu computador que estava no banco detrás. Ele fez um movimento para pegá-lo e nesse momento, ouvi a voz dos meninos conversando e vindo na minha direção. Não podia arriscar e deixá-los chegar perto, então falei alto: "fica aí, não venham". Rapidamente, eles pararam, sem entender bem o que estava acontecendo e viram, assim como eu, o rapaz, indo embora com tudo: carro, celular, computador, documentos, livros, suporte de bicicleta, gps, pen drive, material de aula, crachá de chaves do trabalho, carteirinha do SUS, convênio médico... e tudo o mais que nós que usamos o carro diariamente, carregamos dentro dele, além daquilo que carregamos conosco.
Entrei com os meninos e tentei ligar pro Luciano ainda da portaria, mas não consegui. Subi pro apartamento dos meus pais e daí consegui falar com ele, tentei acalmar os meninos que estavam assustados e liguei pra polícia. Demorei uns 20 minutos para conseguir dar todas as informações que a atendente do 190 pedia. Lembrei, quase que por um milagre, do número do celular da minha irmã (não sei vc, mas com essa coisa de ligação com apenas um clique no nome, não sei mais o telefone de ninguém) e pedi a ela que me ajudasse a saber o que fazer primeiro, peguei o número do banco para cancelar os cartões e tal. Depois, pedi a ela que viesse pegar os meninos porque eu certamente não queria que eles fossem comigo a delegacia. Ela veio! Apoio fundamental! Obrigada! 
Luciano ligou de novo e lembrou do rasteamento do celular. Localizei e ligamos para a polícia que prontamente me respondeu que só poderia fazer algo se eu estivesse dentro do carro ou vendo o carro, senão, o chamado já havia sido feito e eles não fariam outro procedimento.
Pelo FB, pedi contatos dos amigos policiais. Não podia ficar esperando o Lu chegar para pegar os contatos que tínhamos. Consegui alguns contatos, deletei a msg e fui seguindo as orientações. 
Assim que o celular parou de se movimentar, percebemos que eles estavam a poucos quilômetros de uma delegacia. Luciano ligou lá e ouviu do policial de plantão que não parecia coerente ele fechar a delegacia (estava ele e mais 1) para atender um chamado como o nosso. Na outra delegacia para onde ligamos, disseram que enviariam uma viatura imediatamente. Não tivemos nenhum tipo de retorno.
Fui a uma delegacia, fiz o BO e voltei pra casa, esgotada, triste, mas grata a Deus por ter preservado a mim e aos meninos. Tenho que dizer que lá na delegacia tive a "sorte" de ter feito tudo em 2h aproximadamente...
No dia seguinte, fui trabalhar. Não adiantava ficar em casa, chorando e lamentando. Tinha que trabalhar, inclusive para ganhar $ e comprar as coisas que me levaram né? Também queria mostrar aos meninos que de alguma maneira, a vida continua até porque o mais importante, ainda tínhamos, a vida! 
Mas o mundo parecia estar em câmera lenta. Eu estava em câmera lenta, parecia anestesiada. Mas cumpri com todas minhas obrigações. Tentamos levar nossa vida normalmente, apesar do susto.

Queria que a história acabasse por aí e que eu não tivesse me sentido "violentada" de novo, nesse processo pós-assalto, mas não foi assim.
Primeiro, que quando fui refazer meus documentos, tive que pagar por tudo. Alguém me disse que há uma lei que me "livraria" de pagar as taxas, mas essa opção não aparece no site do Poupatempo quando vamos marcar os horários e nem lá na hora. Ninguém solicitou ou quis ver o BO. Foram quase R$ 200,00 só de documentos.
Quando fui comunicar a seguradora do carro, a primeira coisa que me solicitaram foi uma cópia dos meus documentos. Comuniquei que haviam sido roubados mas que eu havia mandado tudo quando renovei o seguro, portanto, eles tinham tudo atualizado. Então, solicitaram somente o BO e então eu teria que esperar 5 dias úteis e só daí, eles me enviariam uma lista de documentos para que eu separasse e enviasse para dar entrada no sinistro. Detalhe: depois de entregue os documentos, eles teriam mais 5 dias para dar uma resposta e mais um tantão de dias para fazerem o pagamento (no total, prazo de 30 dias). A "boa" notícia é que eles me dariam um carro extra TOTALMENTE GRÁTIS até a decisão do sinistro (quanta bondade!).
Também tive (e ainda tenho) que lidar como susto/medo dos meninos que andam na rua, muito assustados, achando que todo mundo vai nos assaltar ou nos fazer algum mal. Quando andamos na rua, ainda que a pé, eles ficam o tempo todo, olhando ao redor, receosos... Eu também fico esgotada quando estou na rua. Parece que o radar está ligado o tempo todo. E como isso cansa. Essa sensação de insegurança, de vulnerabilidade...
Ouvi muitas vezes, comentários que indicavam que eu não devia andar com tantos documentos ou mesmo com o computador. Era quase como se a culpa fosse minha, que eu tivesse atraído o assalto, provocado...
E por último, para nossa surpresa, nos deparamos com muita gente incapaz de se indignar com a violência. Era quase se ouvíssemos o tempo todo "que sorte que não fizeram nada com vcs".  Reconhecemos que podia ser pior, mas fizeram algo conosco!!! Não fomos feridos fisicamente, mas emocionalmente, financeiramente... As pessoas agem como se fosse tão normal que nem se indignam mais. Não, não é normal! Pode ser comum, pode ser frequente! Mas não é normal, nem pode ser.

Hoje, depois de 20 dias, não temos notícia do carro e nem de nenhum dos pertences. Em menos de 12h, meu celular já estava na praça da Sé e depois foi "desvinculado" da minha conta, assim como o computador. Da perspectiva humana, quando completou 24h, já não tínhamos mais esperança. 

Mas nem tudo foi ruim. Recebemos apoio incondicional e fundamental da família. Algumas pessoas, nos surpreenderam com seu carinho e acolhimento. Alguns até se ofereceram para ajudar com $ para repor as coisas roubadas. Muito outros, oraram por nós. Ligaram, mandaram mensagem. Somos gratos pelo carinho desses.

O que aprendemos? Nada de novo: que vida vale mais que tudo, que Deus é quem cuida, que nós não temos controle sobre nada apesar de acharmos que tudo está "sob controle", que vivemos um tempo de acomodação social, que alguns de nós perdeu a capacidade de sentir a dor do outro e que as autoridades pouco olham pra nós.

O que faremos daqui pra frente? Nada de diferente: trabalharemos, com responsabilidade cumpriremos nossas atividades, ensinaremos nossos filhos sobre justiça e injustiça, sobre providência e cuidado de Deus, sobre amizade e não-conformismo.  

Pensando bem, tem uma diferença sim. Uma marca: a da violência urbana. E dela, peço a Deus que trate/cure, que o tempo ajude a amenizar e nos ajude a ser mais responsáveis nas próximas eleições e no dia-a-dia da nossa cidade, exigindo de nossos representantes que cumpram fielmente suas obrigações.